quarta-feira, 9 de junho de 2010

DE TÃO FEIO, TÃO BELO - parte 2

Andando por Salvador, capital da Bahia de Todos os Santos, percebo que o chamado Movimento Barroco aportou por aqui bem antes do que eu pensava. Foi em 1601 que um português de nome Bento Teixeira deixou sua impressão literária num épico nomeado Prosopopéia feito em forma e rima como o do mestre Camões.

Então, a tal arte do conflito impregnou as colônias que também vivam divididas entre sua razão e sua fé; a salvação da alma e os desejos da carne. Talvez essa confusão de emoções tenham deixado um clima pessimista no ar onde a vida tem pouco sentido, já que, no final, como disse o próprio padre Antônio Vieira, viramos pó.


No entanto, belos poemas são extraídos desta época e entre poucos, é verdade, um poeta em particular destaca-se: Gregório de Matos! Mais conhecido por boca do inferno por seu virtuosismo com as palavras, tornou-se uma espécie de Antônio Vieira às avessas. Não orava em catedrais ou em grandes missas e, sim, nas ruas, nos bares, nos becos mais imundos das cidades.


Tentei vê-lo e não consegui! Procurei em todos os cantos obscuros da capital, mas, quando chegava, diziam que estava em outro lugar; quando ia para o outro lugar, estava em outrora. Ora falavam que estava na metrópole, então eu tocava para lá. Mas lá já não estava ou se estava não soube onde. Tive que me contentar em ouvir seus versos na voz do povo que os escutou e, acredito, eram de fato sua obra.


Adorei ouvir uma das suas líricas sacras. Uma em particular dizia:




A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,


Que, para receber-me, estais abertos,


E, por não castigar-me, estais cravados.




A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas abertos,


Pois, para perdoar-me, estais despertos,


E, por não condenar-me, estais fechados.




A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ugir-me,


A vós, cabeça baixa p'ra chamar-me.




A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,


Para ficar unido, atado e firme.




Também ouvi as líricas amorosas que ora apresentavam um amor cavalheiresco, ora um erotismo desenfreado:




Minha rica mulatinha,


desvelo e cuidado meu,


eu já fora todo teu,


e tu foras toda minha;(...)




Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser firme e Anjo juntamente:


Ser Angélica flor e Anjo florente,


Em quem, senão em vós, se uniformara?(...)




Houve ainda poemas que fazia para elogiar os nobres e quem a ele pagasse bem para, logo depois, satirizar essas mesmas pessoas para, quem sabe, não perder sua famosa alcunha.


Gregório, soube depois, morreu na miséria o que é uma pena para alguém com tanto talento. Quem sabe, tenha sido este um alerta para os poetas seguintes começarem a ver a vida com mais simplicidade, de uma maneira mais bucólica. Aproveitar o dia sim, mas com mais prazer e não com depressão.